CONTRIBUTO PARA UMA REFLEXÃO SOBRE 
O PLANEAMENTO ESTRATÉGICO DA FCTUC
por
A. Dias de Figueiredo
25 de Novembro de 1995

O presente texto procura corresponder à solicitação, formulada pelo Senhor Presidente do Conselho Directivo da FCTUC, de um contributo para a reflexão que pretende promover em torno das bases de um plano estratégico da Faculdade. O texto vale-se de alguma familiaridade que temos com a problemática do planeamento estratégico, relacionada com as exigências de natureza estratégica que se colocam a quem concebe sistemas de informação, mas não tem a ilusão de ser mais do que, como o título indica, um simples contributo para essa reflexão. 

   
1. Que plano estratégico para a FCTUC? 

Entendemos o planeamento estratégico de uma escola universitária como um processo permanente e normal da vida da instituição, que se vai renovando ao longo do tempo, num valioso exercício de aprendizagem colectiva. Situamo-nos, assim, claramente, no campo dos defensores do planeamento estratégico incremental, cientes de que numa sociedade em permanente mudança um planeamento rígido e estático rapidamente se torna inibidor da acção, tornando-se então no maior inimigo de qualquer visão estratégica. O planeamento estratégico é, assim, do nosso ponto de vista, um processo que, uma vez iniciado, nunca mais acaba. 

A concepção de um plano estratégico obedece, normalmente, a três fases: a análise estratégica, a formulação das estratégias, e a implementação das estratégias. A análise estratégica permite identificar a missão, finalidades e objectivos da instituição, as suas forças e fraquezas internas e as oportunidades e ameaças que o meio em que se insere lhe oferece. A formulação das estratégias pressupõe, do nosso ponto de vista, a aceitação de que uma escola universitária opera num meio concorrencial. Aceitando-se esta abordagem, poder-se-á prever a formulação de estratégias, não apenas ao nível funcional, mas também ao nível concorrencial. A implementação das estratégias, fase final do processo de planemanento estratégico – que o leva à prática e o valida – decompõe-se, por sua vez em quatro elementos chave: estrutura organizacional, integração, mecanismos de controlo estratégico, e liderança estratégica. 

A aplicação destes princípios a uma Faculdade, como a nossa, constituida por vários sectores, mas largamente centralizada a níveis administrativo, científico e pedagógico, sugere que o processo seja liderado pelos orgãos centrais da Faculdade. Liderar é entendido, aqui, no seu sentido organizacional: imprimir uma direcção, promover a mudança, e instilar uma cultura e uma ética. Por isso se considera que o processo de análise estratégica deve ser iniciado na Faculdade antes de ser replicado nos seus departamentos e estabelecimentos anexos. 

Estamos certos de que numa faculdade complexa como a nossa será preferível "aprender a caminhar, caminhando". Limitamo-nos, por isso, a abordar os pontos que se afiguram mais importantes para um início de caminhada. Poderão ser estas, do nosso ponto de vista, as bases para o plano estratégico da FCTUC. 

2. Missão e finalidades da FCTUC 

A missão de uma escola exprime a sua "razão de ser" em termos estratégicos. Constitui uma "visão" do que a escola pretende ser e de como pretende posicionar-se relativamente ao meio em que se integra. Para cumprir a sua função de referencial para uma estratégia, a missão deve ser expressa de forma simples, clara e mobilizadora. Simples e clara, para que possa ser facilmente interiorizada por todos os seus actores (professores, alunos, funcionários); mobilizadora, para que estes se empenhem colectivamente em bater-se, no dia-a-dia, pelo seu sucesso.  

A título de exemplo, a missão da FCTUC poderia ser formulada nos seguintes termos: 

    • contribuir para satisfazer as necessidades nacionais de licenciados, mestres e doutores habilitados a exercer a sua profissão com elevado nível de qualidade científica, e tecnológica;
     
    • consolidar a sua posição como centro nacional de excelência na promoção do conhecimento científico de base e do desenvolvimento tecnológico, num amplo espectro de domínios do saber;
     
    • reforçar a sua capacidade de intervenção no desenvolvimento económico e social do país, através de uma maior ligação ao tecido empresarial e aos organismos públicos.
Este enunciado da missão da FCTUC encerra já um conjunto de opções que sugerem um idispensável debate. Concentremo-nos, a título de exemplo, apenas no primeiro parágrafo. Pretenderá a FCTUC "satisfazer as necessidades nacionais", ou apenas "as necessidades regionais"? Quererá a FCTUC, simplesmente, "contribuir para satisfazer as necessidades nacionais de licenciados (...)", ou pretenderá, de forma mais ambiciosa, por exemplo, "assumir-se como modelo nacional de referência na satisfação das necessidades de licenciados (...)"? A resposta a interrogações deste tipo, surgidas num debate que envolva um grupo diversificado de representantes do sentir da Faculdade, poderá conduzir à definição da sua missão. 

O enunciado da missão permite identificar as finalidades (ou grandes objectivos estratégicos) da FCTUC. A título de mero exemplo, poderíamos identificar as seguintes: 

    • assegurar, aos níveis de graduação e de pós-graduação, uma educação de qualidade e excelência nos domínios das Ciências e das Engenharias.
    • manter, em permanência, uma carteira de programas e projectos de I&D do mais elevado nível, em todos os domínios do saber cobertos pelos seus departamentos e organismos anexos, tendo em vista contribuír de forma activa para o desenvolvimento económico e social do país e para o reforço da internacionalização em matéria de Ciência e Tecnologia. 
     
    • assegurar, de forma institucional eficaz, a prestação de serviços de elevado nível, a formação especializada, e a extensão cultural.
Será na plena compreensão de uma missão e finalidades assim formuladas que os departamentos poderão proceder, por sua vez, à formulação das suas missões e objectivos. 

3. Objectivos e factores críticos de sucesso 

Descrita em termos sumários, a análise dos factores críticos de sucesso baseia-se na identificação de um conjunto reduzido de requisitos que são críticos para que os objectivos possam ser satisfeitos. Por outras palavras, os factores críticos de sucesso (FCSs) são os requisitos que têm necessariamente que ser cumpridos se se quiser garantir que os objectivos são atingidos. O grau de sucesso na satisfação dos factores críticos deve poder ser mensurado, quantitativa ou qualitativamente, pelo que se devem prever mecanismos que permitam fazê-lo. 

A aplicação desta análise a uma organização (como a FCTUC) desenvolve-se normalmente em sucessivas iteracções:  

  • uma vez reconhecidas as finalidades (ou grandes objectivos), identificam-se os FCSs que condicionam o seu sucesso; 
  • reconhecidos esses FCSs, identificam-se as necessidades a satisfazer para que eles possam ser cumpridos;
  • a satisfação das necessidades pressupõe a identificação de novos objectivos, de mais baixo nível, que permitem reconhecer, por sua vez, novos FCSs.
O processo repete-se, assim, de forma recorrente, segundo a sequência hierárquica 
objectivos à FCSs à necessidades à objectivos à etc.
deixando no seu rasto um conjunto de esboços de soluções, que vão surgindo do geral para o particular. 

O carácter iteractivo e descendente (do geral para o particular) deste tipo de análise preconiza que ela seja iniciada no seio de um pequeno grupo de trabalho, capaz de pensar a estratégia da Faculdade em toda a sua plenitude, e que seja depois estendida, por iteracções sucessivas, a grupos mais específicos ou mais alargados, conforme os objectivos, factores críticos e necessidades identificados.  

Tomando como exemplo o primeiro grande objectivo enunciado, "assegurar, aos níveis de graduação e pós-graduação, uma educação de qualidade e excelência nos domínios das Ciências e das Engenharias", e concentrando-nos, numa primeira aproximação, sobre o caso das licenciaturas, identificamos um conjunto de factores críticos de sucesso, alguns dos quais se sobrepõem parcialmente. Por exemplo: 

  1. boa selecção de cursos, adequada às necessidades e espectativas do mercado de trabalho.
  2. racionalidade económica dos diversos cursos, de forma a evitar desequilíbrios de recursos que, beneficiando uns, prejudicam outros.
  3. corpo docente bem dimensionado e de elevada qualidade.
  4. instalações, laboratórios e bibliotecas adequados, em quantidade e qualidade.
  5. bom nível dos candidatos que ingressam nos cursos.
  6. nível elevado de exigência nas avaliações, associado a uma baixa taxa de insucesso.
  7. taxa elevada de colocação no mercado de trabalho.
  8. elevado grau de satisfação dos estudantes, tanto no que se refere à qualidade pedagógica dos cursos, como à interacção com os serviços administrativos e à qualidade das infraestruturas de apoio social (cantinas, bares, espaços de estudo e lazer, transportes). 
Esta lista é apenas indicativa. Se a missão e finalidades identificadas para a Faculdade sugerirem que se deve procurar aumentar o número de alunos, ou diversificar os cursos, outros factores críticos de sucesso poderão surgir. É o que se observa, por exemplo, no inquérito lançado pela Comissão de Planeamento Estratégico da Universidade de Sheffield em 1991, onde é clara a opção pelo reforço dos financiamentos através de estratégias de crescimento e diversificação. Não é líquido que seja essa a preocupação central da FCTUC no momento que atravessa, mas interessava esclarecê-lo. 

A identificação dos factores críticos conduz à determinação de um conjunto de necessidades. No caso dos factores listados acima, o primeiro sugere o lançamento de mecanismos permanentes de avaliação junto do mercado de trabalho. Os resultados dessa avaliação permitirão determinar as necessidades a ser satisfeitas. 

O segundo factor listado pressupõe agora uma recolha de dados interna, que permitirá determinar as medidas a tomar. A identificação de centros de custos associados ao funcionamento das licenciaturas, bem como de parâmetros indicativos da sua eficiência e eficácia (a partir dos números de docentes, alunos, funcionários, disciplinas, turmas, aprovações, conclusões de licenciaturas, e abandonos, bem como gastos em equipamento, funcionários e despesas correntes), afigura-se, neste caso, particularmente importante. 

Vários dos outros factores sugerem igualmente o lançamento de inquéritos, uns internos, outros externos, com base em mecanismos que permitam assegurar a sua continuidade e a futura identificação de tendências. Cabe notar que uma parte significativa destes inquéritos corresponde à informação que se pretende coligir para a avaliação interna dos cursos, pelo que os mecanismos a lançar serão, em larga medida, os mesmos. 

De notar, também, que a análise de factores críticos de sucesso permite identificar, já, um conjunto apreciável de requisitos a usar na definição da arquitectura de informação que suportará informaticamente esses trabalhos e, no futuro, o próprio modo de operar da Faculdade. 

A identificação de factores críticos de sucesso, e dos objectivos que lhes estão associados – estendida, por sua vez, ao ensino pós-graduado, à investigação e desenvolvimento, e à prestação de serviços – influenciará, naturalmente, as análises de idêntica natureza que deverão entretanto ser lançadas nos departamentos e estabelecimentos anexos.  

4. Forças, fraquezas, oportunidades e ameaças 

A análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats) constitui um segundo tipo de instrumento a usar na elaboração de uma estratégia. Não basta, de facto, identificar objectivos (a vários níveis) e determinar, a partir deles, os factores críticos que irão determinar as soluções a adoptar. É igualmente importante reconhecer a situação em que se encontra a instituição, quer internamente (forças e fraquezas), quer em relação ao exterior (oportunidades e ameaças). Esta análise deve ser conduzida com grande objectividade e rigôr, nomeadamente no que se refere à identificação das fraquezas, que não deverão ser entendidas como motivos para culpabilizar ninguém, mas sim como indicadores objectivos das áreas onde deverá ser concentrada prioritariamente a intervenção. O processo deve, por outro lado, ser entendido como fortemente dinâmico: não interessa tirar um retrato à organização e contemplá-lo passivamente. Importa, sim, procurar tirar o maior partido das forças, concentrar todos os esforços na superação das fraquezas, explorar tanto quanto possível as oportunidades, e transformar as ameaças em oportunidades. Estes conceitos, aplicados à FCTUC, conduziriam a uma lista que nos limitamos a exemplificar. 

Forças: 

  • bom relacionamento com os estudantes, e grande empenho da AAC – e também, no sector das engenharias, da AEUC – em apoiarem um processo de renovação para a qualidade.
  • grande número de doutores em alguns dos seus domínios do saber.
  • bons laboratórios e oficinas, também em alguns desses domínios.
  • elevado prestígio, nacional e internacional, de muitos dos doutores e dos grupos em que se integram.
  • imagem (ainda) de prestígio da Universidade de Coimbra junto da opinião pública.
Fraquezas: 
  • falta de espírito de corpo e de uma forte cultura de instituição, com subsequente pulverização de vontades, iniciativas, e "know-how".
  • grande ineficácia do serviços administrativos, com sérias implicações ao nível da gestão financeira, e subsequente desmotivação dos potenciais agentes de mudança.
  • ausência de hábitos dos grupos de investigação no sentido de rentabilizarem, em termos económicos, os resultados de I&D.
  • adesão ainda insuficiente a uma vontade (felizmente já patente) de renovação da qualidade pedagógica.
  • graves carências de docentes jovens que permitam assegurar, em particular nos sectores mais recentes, uma dimensão crítica de recursos humanos para as actividades docente e de I&D.
  • graves carências de instalações e laboratórios, em alguns dos sectores.
  • obsolescência dos equipamentos, em muitos dos sectores.
  • inserção num meio pouco favorável à transferência de tecnologia para a realidade circundante.
Oportunidades: 
  • expansão para o Polo 2.
  • existência do Instituto Pedro Nunes, unidade vocacionada para assegurar a ligação da FCTUC ao tecido empresarial e aos organismos públicos.
Ameaças: 
  • concorrência de outras escolas de Ciências e Engenharias, e de outras instituições de I&DT e organismos prestadores de formação de elevado nível, nomeadamente no que se refere a:
    • qualidade dos alunos que ingressam nos seus cursos.
    • financiamentos, quer provenientes do OGE, quer de agências nacionais e europeias finciadoras de I&D.
    • exploração de resultados junto do sector empresarial e dos organismos públicos.
    • imagem junto da opinião pública.
  • a mais longo prazo, concorrência de entidades (previsivelmente estrangeiras) de oferta de formação universitária (quer formação à distância, quer formação "in-loco", facilitada pelo acréscimo de mobilidade dos estudantes).
Esta análise SWOT deverá, por sua vez, desdobrar-se em análises sectoriais (para o ensino graduado e pós-graduado, investigação científica, e prestação de serviços), e deverá ser feita, com as devidas adaptações em cada um dos departamentos e estabelecimentos anexos da Faculdade. 

5. Desafios de uma lógica concorrencial 

Defendemos que a FCTUC assuma uma postura concorrencial na formulação do seu plano estratégico. Assim sendo, deverá considerar-se em competição com outras escolas, instituições de I&DT e organismos prestadores de formação de elevado nível. Assumem particular relevância, neste capítulo, não só a identificação dos seus concorrentes (e correspondentes forças e fraquezas), mas, sobretudo, a postura que deverá assumir perante os seus clientes.  

A primeira questão a resolver será a de identificar os clientes de uma escola universitária. Embora não haja unanimidade, na literatura, quanto a este aspecto essencial da acção das universidades, somos de opinião de que os clientes se distribuem por duas grandes categorias: os estudantes, e as empresas (e outras organizações). Os estudantes são clientes directos; as empresas (e outras organizações) são simultaneamente clientes directos (enquanto compradores de know-how fornecido pela Universidade) e clientes indirectos (por interposto recrutamento de profissionais graduados pelas universidades). 

Por estranho que possa parecer à Universidade – uma instituição que se considera investida de força e autoridade inquestionáveis, e que, por tradição, oferece, mais ou menos rotineiramente, uma educação massificada – o cliente tem vindo a assumir, desde o início dos anos 80, um papel que coloca nas suas mãos, em larga medida, o destino das instituições que o servem. Os fornecedores dos mercados de massa podiam, no passado, oferecer serviços muito semelhantes, e de qualidade duvidosa, certos de que os clientes, por falta de alternativa, não reclamariam. Nos tempos actuais, os clientes exigem serviços adequados às suas necessidades específicas: se não os encontrarem aqui, com a qualidade e na forma individualizada que pretendem, irão buscá-los a outro lado! É esta lógica que se aplica já às empresas (e outras organizações), entendidas como clientes das universidades, e que se aplicará de forma crescente aos estudantes. É nesta lógica que, do nosso ponto de vista, deverá ser pensado um plano estratégico que pretenda colher frutos no século XXI. 

6. Conclusões 

O conjunto de reflexões que apresentámos configura o esboço de uma abordagem para iniciar, na FCTUC, um processo urgente de planeamento estratégico. Limitámo-nos, intencionalmente, a referir apenas alguns dos muitos métodos que poderiam ser usados, cientes de que uma cobertura mais exaustiva desviaria as atenções para questões de natureza teórica, prejudicando a passagem à acção, que se pretende tão imediata quanto possível. Pensamos que a selecção apresentada constitui um corpo suficientemente coerente e operacional que poderá ser enriquecido ao longo do tempo, à medida que nos formos habituando, gradualmente, a assumir colectiva e solidariamente, em torno de uma visão estratégica mobilizadora, os destinos da nossa Faculdade. 

  

25 de Novembro, 1995